Por que o capitalismo floresceu primeiro na Holanda?

A florescência do capitalismo ocorreu inicialmente nos Países Baixos e no norte da Itália devido a diversos fatores geográficos, comerciais, políticos e técnicos, superando em poucas centenas de anos o modo de produção feudal vigente na época.

Antes do advento do capitalismo, o feudalismo era o sistema predominante, tendo substituído a escravidão e durado aproximadamente do século XV ao XVIII. Suas características incluíam a posse da terra por uma casta de senhores feudais que concediam feudos em troca de riquezas, como impostos, e apoio militar durante guerras. A estrutura social era rígida, com pouca ou nenhuma mobilidade social.

Antes das revoluções burguesas, os Países Baixos tinham uma economia agrária, na qual as comunidades locais produziam principalmente para subsistência. Sua geografia apresentava desafios significativos, com partes do território abaixo do nível do mar, compostas por pântanos, planícies alagáveis e deltas fluviais. No entanto, a fertilidade dessas terras despertou interesse em seu uso. À medida que a população crescia, as cidades se expandiam, exigindo investimentos em técnicas de drenagem. Os moinhos de vento desempenharam um papel vital ao drenar a água dessas terras.

Com a drenagem dessas áreas, a produção agrícola aumentou, permitindo a exportação de produtos como cereais e linho. A construção e manutenção desses sistemas de drenagem exigiam colaboração entre as comunidades, levando à criação de conselhos locais chamados “water boards”. Esses conselhos foram fundamentais na organização dos esforços e na resolução de disputas, sendo considerados uma das primeiras formas de governança cooperativa moderna.

Com o tempo, as terras drenadas, ou “polders”, tornaram-se centrais para a economia holandesa. Elas forneciam terras aráveis e espaço para a expansão de cidades e vilarejos, o que sustentava o crescimento do comércio. A terra fértil também permitia a criação de gado. À medida que as cidades cresciam e as rotas comerciais regionais se desenvolviam, os centros urbanos começaram a sediar feiras e mercados para a troca de produtos agrícolas e manufaturados.

A proximidade com o Mar do Norte, uma rota comercial marítima crucial que ligava a Europa continental ao Reino Unido e a outras rotas do norte, juntamente com a presença de portos naturais em cidades como Roterdã e Amsterdã, impulsionou significativamente o comércio. Rios que conectavam grandes cidades europeias também contribuíram para esse dinamismo econômico.

Nos séculos XII e XIII, algumas cidades holandesas tornaram-se parte da Liga Hanseática, uma rede comercial que ligava cidades portuárias do norte da Europa. Durante esse período, a indústria de tecelagem e a produção de lã tornaram-se atividades econômicas importantes, produzindo têxteis de alta qualidade para mercados locais e internacionais. Esse crescimento econômico, aliado a vantagens geográficas, impulsionou a construção naval como uma indústria significativa.

O feudalismo holandês era relativamente menos rígido em comparação com outras nações europeias. Muitas terras não estavam sob controle direto de senhores feudais, mas organizadas em sistemas comunitários, o que possibilitava maior flexibilidade econômica. Além disso, a aristocracia nos Países Baixos era mais fraca do que em outras partes da Europa, permitindo a ascensão de uma classe mercantil.

Com a acumulação de riquezas e essas condições únicas, a sociedade holandesa passou por uma transformação. A partir do século XIV, comerciantes começaram a acumular riqueza e influência, lançando as bases para corporações rudimentares e parcerias comerciais. Ao final do período pré-revolução burguesa, a economia holandesa estava em transição para o mercantilismo, com ênfase no comércio marítimo, na exportação de bens manufaturados e na acumulação de riquezas.

Mercantilismo e as Companhias de Comércio Holandesas

O mercantilismo serviu como um estágio intermediário entre o feudalismo e o capitalismo, baseado no comércio internacional, na acumulação de riquezas e no apoio estatal às atividades econômicas. Sua consolidação foi marcada pela criação da Companhia Holandesa das Índias Orientais (1602) e da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (1621). Essas companhias detinham monopólios sobre o comércio com regiões específicas, como o sudeste asiático e as Américas, sendo financiadas por ações públicas, criando os primeiros mercados de capitais.

Essas companhias empregavam uma combinação de estratégias políticas, econômicas, militares e tecnológicas para manter os monopólios comerciais. Recebiam do governo direitos exclusivos de comércio, excluindo concorrentes, inclusive de seu próprio país. Para garantir o controle, construíam fortificações em portos estratégicos e mantinham forças armadas privadas, incluindo navios de guerra e soldados, para patrulhar rotas. Frequentemente enfrentavam combates com piratas e comerciantes rivais que tentavam negociar em suas áreas controladas.

Em algumas regiões, como Batávia (atualmente Jacarta), as companhias exerciam governança direta, arrecadando impostos e impondo leis como entidades soberanas. Em áreas produtoras de bens valiosos, essas companhias não apenas controlavam o comércio local, mas também ditavam a produção, obrigando os produtores a vender exclusivamente para elas a preços predeterminados. A produção excedente de mercadorias como noz-moscada ou cravo era frequentemente destruída para manter preços altos nos mercados internacionais.

Devido aos investimentos dos acionistas, essas companhias tinham acesso a capital significativo, possibilitando a construção naval em grande escala, o que reduzia os custos de transporte. Os navios holandeses, como o fluyt, eram tecnologicamente avançados, permitindo sua construção em seis meses, em comparação com um ou dois anos em outras nações.

A proteção de mapas e do conhecimento territorial era rígida, garantindo monopólios de informação. Academias marítimas foram estabelecidas para treinar marinheiros, fortalecendo ainda mais a dominação marítima holandesa. Essas estratégias levaram à imensa acumulação de riqueza nas mãos dos comerciantes. A integração dessas companhias nas bolsas de valores permitia a distribuição e o reinvestimento dos lucros, facilitando ainda mais a acumulação de riqueza por indivíduos fora da nobreza.

Ascensão da Burguesia

A Companhia Holandesa das Índias Orientais é considerada a organização comercial mais rica da história, avaliada em aproximadamente 78 milhões de florins holandeses em seu auge no século XVII — o equivalente a cerca de 8 trilhões de dólares nos valores atuais. Frequentemente pagava dividendos de até 40% ao ano, proporcionando retornos substanciais aos investidores. Essa criação de riqueza levou ao surgimento de uma classe burguesa separada da nobreza, composta por milhares de investidores privados. O estabelecimento da Bolsa de Valores de Amsterdã permitiu a negociação de ações fracionárias, possibilitando a um segmento mais amplo da sociedade acumular riqueza.

Essa burguesia demonstrou que o poder econômico podia superar o poder aristocrático, provando que a riqueza gerada por meio do comércio e da indústria era um meio mais eficiente de construção de poder do que o sistema feudal baseado na posse de terras.

Mudança Política

O passo seguinte foi a ascensão da burguesia ao poder, o que ocorreu com mínima violência. A independência dos Países Baixos em relação à Espanha havia criado condições políticas favoráveis à descentralização, pois a região jamais experimentara um forte controle monárquico. A burguesia nos Países Baixos já nasceu forte e apenas precisou manter seu poder.


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