“Que você viva em tempos interessantes.”

A expressão “Que você viva em tempos interessantes” tem sua origem na língua inglesa e tem por sentido evocar uma maldição desejando ao próximo que ele viva em épocas turbulentas e instáveis. Neste caso, quem a utilizou nos idos dos anos 2000 para amaldiçoar alguém acabou acertando em cheio.

Nosso período atual tem por base o esgotamento dos mercados mundiais que não conseguem mais receber mercadorias, a clássica crise de superprodução capitalista, e que o mecanismo mais utilizado para manter esse consumo crescendo se esgotou – o Crédito não é mais uma possibilidade viável para manter os mercados aquecidos – ainda que muitos governos vão tentar se utilizar dela visto que não há alternativa.

Não conseguir escoar sua produção em outros mercados tem um impacto direto no mercado de trabalho de um país e isso, obviamente, é um perigo para as classes dominantes devido as possibilidades de insurreição popular.

A lógica é simples se uma nação não consegue vender no mercado mundial ele tem algumas opções:

  1. Tentar aumentar sua produtividade barateando o preço do seu produto e aumentando sua competitividade.
  2. Fazer acordos comerciais com outras nações tentando eliminar tarifas que prejudiquem sua competitividade.
  3. Aumentar o crédito de forma exponencial.
  4. Aumentar o nível de exploração de sua classe trabalhadora.
  5. Recorrer a métodos imperialistas clássicos como houveram no passado de dominar militarmente outras Nações.
  6. Garantir que seu mercado interno seja garantido a seus produtos preferencialmente e dai criar tarifas para mercadorias de outros países.

O aumento da produtividade

Após a segunda guerra mundial, com a destruição das principais economias do mundo, com a exceção dos EUA, o capitalismo encontrou uma situação de terra arrasada na Europa e na Ásia. A única saída para evitar uma revolução mundial era investir na reconstrução desses países e com isso a atividade econômica foi estimulada. A produtividade aumentou porque a reconstrução dessas industrias se deu com tecnologias muito melhores das que eram utilizadas no período anterior, com os empregos oferecendo boas condições devido a necessidade de distanciar os operários do desejo de revolução. O Estado do bem estar social predominou e conseguiu afastar o espectro que rondava a Europa.

Mas isso teve um limite que em menos de 30 anos saturou o mercado mundial da época. De 1970 até 1991 houveram diversas crises econômicas que nada mais eram crises de superprodução capitalista. Neste cenário não adiantava investir em produção se não existia quem pudesse comprar as mercadorias produzidas.

Foi somente em 1991 com o desmantelamento do bloco socialista liderado pela União Soviética que o capitalismo teve outro boom econômico com a abertura desses países para os produtos dos países capitalistas desenvolvidos – nesse momento houve sim um aumento das capacidades produtivas do mundo todo.

Somado a isso tivemos também o início da transição da transferência da produção de nações avançadas para as nações em desenvolvimento visto que a mão de obra e qualificação dessas ultimas eram muito mais baratas. Podemos citar nominalmente a China como o maior exemplo desses tempos. Com a adição da China, com uma população de mais de 1 bilhão de pessoas houve mais uma adição de produtividade visto que as empresas que deixavam os EUA e a Europa faziam empresas com tecnologia de ponta no gigante asiático. De forma geral a produtividade mundial aumentou em muito nesse período.

Os diversos acordos comerciais mundiais

Liderados pelos EUA que após a 2º guerra mundial se tornaram a locomotiva neoliberal ideológica e econômica do mundo diversos mercados foram abertos para produtos estrangeiros. No Brasil, na época de Collor, a indústria automobilística foi aberta ao mercado mundial. Na época falavam de nossos carros como carroças numa ofensiva ideológica neoliberal tentando convencer que o setor ficaria melhor com a abertura desse mercado.

Diversos blocos de livre comércio foram criados como a Zona do Euro, o Mercosul, o NAFTA na América do Norte e diversos outros pela Asia e Africa. Tudo isso serviu para expandir o mercado mundial mais um pouco e aos poucos os únicos setores que sobreviveram nos países foram onde eles eram melhores – setores de tecnologia nos EUA (com suas largas margens de lucros) e extrativista em países periféricos.

A divisão do trabalho a nível mundial chegou ao que temos nos dias de hoje onde as industrias mais modernas estão nos países mais centrais e as mais poluidoras e causadoras de problemas estão nos países em desenvolvimento. Tivemos é claro algumas exceções a regra visto que nem tudo pode ser escrito em pedra e podemos falar que algumas industrias de ponta foram criadas em países periféricos. Mas na grande sinfonia do mundo essas foram notas dissonantes.

Esse método, de acordos comerciais, também chegou ao seu limiar nesse século atual.

O aumento do crédito de forma exponencial

Esse, de todos, e de longe, é o método mais perigoso que os capitalistas utilizaram para manter as engrenagens funcionando. Durante diversos períodos da história esse mecanismo foi utilizado porém nada parecido com a época dos anos 2000. Nessa época os EUA ampliaram de uma forma nunca vista, até então, o crédito disponível para seu mercado interno. O aquecimento do mercado americano acabou por sua vez aquecendo o mercado global como um todo.

O grande problema do crédito é que quem o empresta, obviamente, espera receber de volta o dinheiro, e com juros e correção monetária. Em um primeiro momento ele serve para artificialmente aumentar a capacidade de compra de uma nação. Porém dialeticamente, acaba se tornando em seu oposto quando é necessário os juros da divida e conseguir mais financiamento. Somente nos EUA em 2024 foram pagos US$ 840 bilhões com o pagamento de juros da dívida. As projeções levam a crer que até 2035 eles devem gastar US$ 1,8 trilhões! Para fins de comparação o orçamento do pentágono em 2024 foi de US$ 890 bilhões. Basicamente isso significa que o trabalhador americano tem um ônus atual de 1,7 trilhões de dólares nas costas. Metade para pagar juros para fundos e países receberem dinheiro sem fazer nada e a outra metade para construir métodos para manter outros países sem fazer nada.

Acontece que esse câncer esta crescendo, e muito, e não somente nos EUA mas no mundo todo.

Aumento da exploração dos trabalhadores.

Uma das possíveis saídas que já foram exploradas pela classe dominante é o aumento da exploração da mão de obra da classe trabalhadora. Como não adianta investir mais em maquinários para produzir mais e melhor sem ter a certeza que essa produção será consumida em algum lugar, para manter a taxa de lucro a níveis crescentes os capitalistas precisaram aumentar as cargas de trabalho no mundo todo. Hoje, ter apenas um emprego que pague bem é um luxo para poucos trabalhadores. A grande maioria tem empregos duplos tendo que fazer duplas jornadas. E nesses empregos eles precisam dar o máximo que tem porque o exercito industrial de reserva (os desempregados) sempre esta ali ao lado mostrando a opção. Além disso diversas camadas de proteção legais aos trabalhadores tem sido desmontadas fazendo com que o “custo” do trabalho seja reduzido. O custo de trabalhar dessa forma ainda existe mas não será mais pago pelos capitalistas mas sim diretamente pelo trabalhador que tem sofrido de crises de burnout, familiares e enfermidades causadas por se trabalhar dessa forma.

Os métodos imperialistas clássicos

Desde a época do colonialismo as nações Europeias recorreram a exploração de suas colonias para conseguir acumular capital. Essa exploração era tão intensa que muitas delas se revoltaram e para as manter em controle direto as grandes potências coloniais e depois capitalistas recorriam ao uso de seus exércitos para controlar a situação. Intervenções em suas colônias eram recorrentes e na época não era necessário um verniz ideológico mais elaborado para fazer isso. Desta forma, as colônias sempre precisavam estar em seu lugar, submetidas ao jugo de seus exploradores.

Porém as tecnologias evoluíram e o custo para dominar grandes partes do globo de forma militar agora é proibitivo. Além disso dominar uma parte do globo militarmente seria dizer que outras nações não poderiam adentrar nessa parte dominada e estamos na época de dispositivos de destruição em massa como as armas atômicas. Qualquer guerra no período atual, entre as grandes potências, significaria um perigo enorme de aniquilação mundial e no mínimo entre as potências beligerantes. Durante algum tempo a única superpotência do mundo, depois da queda da URSS tentou executar esse papel exercendo seu poder de forma global (EUA) mas, vendo o enorme custo disso, decidiu recuar estrategicamente para focar em seu único competidor de peso, a China.

As armas tem ainda um papel fundamental para as potências imperialistas, porém agora, apenas de função garantidora que o status quo não mude.

Claro, aventureiros sempre vão existir e volta e meia alguma guerra será declarada. Porém serão guerras contra nações menores com pouco impacto na economia global. Uma guerra utilizando os recursos mais modernos a disposição hoje em dia requer investimentos multimilionários apenas para comprar uma única unidade de tanque de guerra. Com o nível de endividamento das principais potencias mundiais a classe dominante pensará três vezes antes de declarar uma.

Então, tarifas?

Com todo esse peso em cima da classe trabalhadora, e com os níveis de qualidade de vida sendo dissolvidos no ácido do peso das dividas nacionais, os trabalhadores de uma forma ou de outra sempre acabam se revoltando. Na falta de um partido revolucionário autentico utilizando os ensinamentos de Lenin e Trotsky infelizmente diversas oportunidades são perdidas. Tentando entender a situação e buscando melhorias para sua vida eles acabam botando o lobo, inteligentemente prometendo proteger as galinhas, no comando do galinheiro.

Demagogicamente foi isso que aconteceu nos EUA e isso que deve ainda acontecer em outros países ao redor do mundo. Trump ao prometer trazer mais e melhores empregos para os EUA resolveu criar tarifas a serem utilizadas contra a produção do restante do mundo. A promessa é que se a produção for deslocada para os Estados Unidos essa produção não receberá mais tarifas. Isso até eventualmente pode ter algum efeito, em situações particulares, mas muito certamente empregos de qualidade são um sonho inatingível.

Porém algo a mais vem ao nosso encontro nessa guerra tarifária. Trata-se da mais nova arma de destruição em massa a ser utilizada no cenário mundial. Podemos ver isso nas tarifas impostas ao Brasil devido a adesão ao BRICs. Em segundo lugar sendo utilizadas como armas ideológicas para controlar o mundo como no caso Bolsonaro. Agora, ao invés de mandar tropas, os países podem colocar tarifas negando o acesso a seu mercado interno aos produtos de países que se rebelem contra o status quo. Trata-se de uma estratégia das mais crueis. Ao impor tarifas contra países periféricos milhares de empregos são perdidos e empresas destruídas.

Porém é estrategicamente muito arriscado também. O probelma é que os países podem retaliar e o mesmo vento que sopra aqui pode vir a soprar lá também. Já existiram exemplos no passado, na crise de 1929, quando barreiras tarifárias foram colocadas gerando a crise de 1929. Um cenário onde todas as economias do mundo se fechem seria o fim do capitalismo como o conhecemos e uma excelente oportunidade para revoluções no mundo todo.

Para isso precisamos somente de partidos em condições ideológicas e que já estejam inseridos nas massas. Isso também acabará vindo.


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